sábado, 6 de agosto de 2016

Bloqueio do whatsapp: Privacidade x Interesse Público

As redes sociais e aplicativos de comunicação, atualmente, são meios essenciais no cotidiano das pessoas, e isso é fato notório e inegável. Da simples interação e bate papo, ao uso como fonte de publicidade, divulgação profissional, expansão comercial e meio de negociação.

Mas a partir daí surge um viés: até onde podemos disponibilizar e armazenar nossos dados e informações de forma privada, e qual a segurança que o sistema digital nos fornece?

Primeiramente, em um exemplo simples, é importante esclarecer que mesmo sem querer ou nos preocupar (ou até sem ler aqueles termos enormes que concordamos), acabamos fornecendo diversos dados pessoais para o sistema digital, através das redes sociais.

Basta você parar para perceber os anúncios que aparecem no seu Facebook, em pequenas janelas durante a navegação em algum site, ou até mesmo a localização em vários aplicativos de celular (aos usuários do Tinder e Pokémon Go, fica a dica, rs).

Mas a verdade é que as próprias empresas que operam as redes sociais acabam coletando informações que nós disponibilizamos (como nome, preferências, localização, idade etc.), a fim de personalizar a venda para seus anunciantes.

Ou seja, em que pese determinadas informações que disponibilizamos não sejam divulgadas de modo público, há pessoas que possuem sim acesso a elas.

Analisando-se deste modo, não parece haver um grave problema em relação a isso. Mas e quando as informações são sigilosas, referentes a grandes empresas? Ou possuem dados de contas bancárias?

Pensando nisso, o whatsapp criou uma chave de criptografia de ponta a ponta (já repararam naquela mensagem que aparece?)


É como se fosse um “cadeado” que protege as conversas e informações trocadas entre os usuários, de modo que só eles possam destrancá-las e ter acesso, impedindo até mesmo o próprio whatsapp de acessá-las.

E aí se inicia mais um questionamento: E quando as informações trocadas são criminosas ou quando há crimes virtuais?

É nesta batalha entre a importância da privacidade de dados e segurança digital, com o interesse público, que ainda se faz necessário um consenso.

Uma das questões mais conhecidas em relação a isso no Brasil tem sido o bloqueio do whatsapp por decisões judiciais.

No Brasil, desde o ano passado, houve bloqueio do aplicativo por quatro vezes através de decisões judiciais, tendo em vista que o Facebook/whatsapp (lembrando que as duas empresas são do mesmo dono) teriam descumprido determinações judiciais para que as empresas fornecessem informações de usuários, trocadas através dos aplicativos.

Nas ocasiões, as informações requeridas pelo juízo colaborariam em investigações criminais, e foram negadas pelas empresas. As decisões, então, foram baseadas na Lei nº 12.965/14, também conhecida como “Marco Civil da Internet”, que estabelece direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, e que assegura sanções em caso de descumprimento da ordem judicial, senão vejamos:


Art. 10.  A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas.
§ 1o O provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar os registros mencionados no caput, de forma autônoma ou associados a dados pessoais ou a outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, mediante ordem judicial, na forma do disposto na Seção IV deste Capítulo, respeitado o disposto no art. 7o.
§ 2o O conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, respeitado o disposto nos incisos II e III do art. 7o.

Art. 12.  Sem prejuízo das demais sanções cíveis, criminais ou administrativas, as infrações às normas previstas nos arts. 10 e 11 ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções, aplicadas de forma isolada ou cumulativa:
I - advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;
II - multa de até 10% (dez por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, considerados a condição econômica do infrator e o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção;
III - suspensão temporária das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11; ou


No entanto, no último bloqueio ocorrido em julho deste ano, o Ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF deferiu liminar para suspender a decisão da juíza de Duque de Caxias/RJ que determinou o bloqueio do aplicativo.

Essa decisão se deu em ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), que foi ajuizada pelo PPS (Partido Popular Socialista), em relação ao bloqueio anterior, ocorrido em maio de 2016, pelo juízo da Vara Criminal de Lagarto/SE.

Em sua fundamentação, o ministro não entrou no mérito da atitude da empresa responsável pelo aplicativo, porém esclareceu que a decisão estaria lesando milhares de brasileiros que utilizam e necessitam do aplicativo para diversos fins, bem como estaria ferindo preceito fundamental da livre expressão e comunicação, veja um trecho da fundamentação, a saber:



“Ora, a suspensão do serviço do aplicativo WhatsApp, que permite a troca de mensagens instantâneas pela rede mundial de computadores, da forma abrangente como foi determinada, parece-me violar o preceito fundamental da liberdade de expressão aqui indicado, bem como a legislação de regência sobre o tema. Ademais, a extensão do bloqueio a todo o território nacional, afigura-se, quando menos, medida desproporcional ao motivo que lhe deu causa.
Sem adentrar no mérito do uso do aplicativo para fins ilícitos, é preciso destacar a importância desse tipo de comunicação até mesmo para intimação de despachos ou decisões judiciais, conforme noticiado pelo sítio eletrônico http://www.conjur.com.br/2016-fev-27/klaus-koplinurgente-intimacao-feita-whatsapp.”



Tem-se, portanto, que embora a legislação brasileira esteja caminhando para uma melhor regulamentação acerca da internet e dos seus meios de comunicação correlatos, a lei ainda deixa o assunto muito abrangente, de forma que o entendimento jurisprudencial passa a ficar com interpretações divergentes, sem uma estabilidade e segurança jurídica.

É claro que o interesse público em relação às informações requeridas em colaboração as investigações criminais devem ser atendidas, no entanto os meios para que isso aconteça não podem lesar terceiros.

Deve-se ater também à possibilidade ou não de se decodificar a chave de criptografia do whatsapp, visto que, conforme acima mencionado, os dados são protegidos para que nem mesmo o próprio aplicativo tenha acesso a estas informações. Mas essa é outra questão a ser abordada.

O que fica como ponto final deste raciocínio é: considerando todas as possibilidades fáticas, como ponderar os limites da privacidade garantindo a segurança digital?


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Graziella Yumi Ogaki Adao - OAB/PR 72.493
Membro do Núcleo OAB Jovem

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