terça-feira, 28 de julho de 2015

ARTIGOS DOS MEMBROS DO NÚCLEO: "O Assédio Moral nas Relações de Trabalho"

Entre os direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, estão a “dignidade da pessoa humana” e os “valores sociais do trabalho”, previstos especificamente em seu art. 1º, incisos III e IV.

Os princípios que disciplinam o direito do trabalho devem ser compreendidos em sintonia com os direitos fundamentais definidos pela Carta Magna. O trabalho, direito social de ordem constitucional, deve garantir o bem-estar mental e físico dos trabalhadores e, para tanto, necessário se faz um ambiente saudável, no qual o trabalhador possa desenvolver suas atividades com tranquilidade e de acordo com sua competência e capacidade.

No entanto, na atualidade vem crescendo o número de situações em que pessoas estão sujeitas a condições debilitantes, seja pelas características do trabalho, seja pela pressão extrema por uma maior produção, ou ainda, pela própria desvalorização do trabalho humano.

A globalização e a modernização, não obstante tragam diversos aspectos positivos, desencadeiam a necessidade de aumentar o fluxo produtivo nas empresas e uma busca incessante por lucros, o que acaba por tornar a competitividade no ambiente de trabalho cada vez maior.

A concorrência entre empresas, indústrias e outros ramos das relações produtivas, gera pressão exacerbada por uma crescente condição de competitividade. Por consequência, não é raro decorrerem dessa nova ordem competitiva condições de trabalho que afastam o trabalhador das garantias mínimas que deveriam cercar a observância do preceito constitucional que atribui ao trabalho a condição de direito fundamental.

A pressão por uma maior produtividade muitas vezes gera uma relação conflituosa entre os próprios funcionários, que resulta, de forma cada vez mais preocupante, em práticas que visam desestimular os colegas ao invés da busca pelo aperfeiçoamento de seu próprio desempenho.

Ainda, não bastasse o assédio entre os colegas de mesmo nível na organização empregatícia, há o assédio oriundo dos superiores hierárquicos, que não tem a correta compreensão da função e da responsabilidade de serem dirigentes, e que praticam o abuso de poder para lidar com os funcionários que lhe são subordinados.

Agressões físicas e morais, assim como atos humilhantes, são decorrentes da competitividade, do autoritarismo e do abuso de poder, resultando em sérios problemas nas relações empregatícias, bem como em péssimas condições de trabalho em que muitos empregados se encontram.

Muitos empregados resistem ao assédio moral até o limite de suas forças, com vistas a manterem-se no emprego. Em tais situações, as condições a que são submetidos chegam a caracterizar severas torturas psicológicas, que podem resultar em danos mentais de grande relevância e graves consequências, como doenças como a depressão.

Apesar de a lei trabalhista brasileira ser rígida no que diz respeito à jornada de trabalho, férias, e outros aspectos que beneficiam o empregado, diversos fatores que prejudicam as condições do trabalho estão presentes na nossa realidade e sequer são amparados pelo ordenamento jurídico brasileiro, como é o caso do assédio moral.

Após a Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004, o número de ações em que o assédio moral é discutido na justiça do trabalho aumentou de maneira significativa, o que torna muito importante a exata compreensão do tema, que merece um olhar mais atento por parte da comunidade jurídica e de toda a sociedade brasileira. Destaque-se que o fenômeno fere obrigações contratuais e ainda viola direitos de personalidade da vítima, razões que tornam ainda mais imperiosa a análise e delimitação das consequências jurídicas de sua ocorrência.

O assédio moral viola uma série de direitos humanos, previstos no artigo 5º da Constituição Federal, fazendo jus o assediado à indenização, quer seja pelo dano moral sofrido ou pelo dano material conforme a extensão do assédio.

            Apesar de inexistir previsão legal que defina o assédio moral, a Carta Magna assegura o respeito à dignidade humana e à honra, de onde se pode extrair o fundamento da indenização a que faz jus aquele que sofre violação ao direito fundamental ao trabalho.

            De outra parte, a indenização por dano moral é um dos mais importantes efeitos jurídicos que se extrai da prática do assédio moral e está amparada legalmente pela legislação cível, que tem aplicação subsidiária no âmbito do direito trabalhista. Assim, constatada a ocorrência de assédio e dos efeitos danosos ao sujeito da relação de emprego, o dever de indenizar é consequência que se impõe pela interpretação sistêmica das regras do ordenamento jurídico brasileiro.

            É possível verificar, ainda, que o valor fixado a título de indenização deve estar em equilíbrio com a gravidade do dano e observar o princípio da razoabilidade para que a indenização seja justa para ambas as partes e, efetivamente, se destine não só a punir o assediador como a prevenir novas práticas de assédio.

            Diante disse, constata-se que é imprescindível a conscientização da sociedade, seja dos empregadores, dos dirigentes da organização e dos próprios trabalhadores, para que ao se depararem com a prática, denunciem os assediadores, a fim de que estes sejam devidamente punidos, com o objetivo de extinguir o fenômeno das relações de emprego.
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Dra. Laís Weiss de Paula Machado – Advogada - OAB/PR 65.742 - Membro do Núcleo OAB Jovem de Londrina


terça-feira, 21 de julho de 2015

ARTIGOS DOS MEMBROS DO NÚCLEO: "Reflexões sobre o feminicídio"

Nos últimos anos, muito se tem discutido acerca do aumento dos casos registrados de violência e morte de mulheres por seus cônjuges, companheiros e familiares no âmbito doméstico.

A Lei n° 11.340 de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha foi criada justamente para ampliar a proteção às mulheres vítimas de situação de violência em razão de seu gênero, com o objetivo de criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar praticada contra as mulheres.

Ocorre que, com quase nove anos de vigência da Lei, os resultados esperados de diminuição da violência contra a mulher ainda são muito inexpressivos. Dados recentes publicados pelo Instituto Avante Brasil[1] estimam que a cada duas horas uma mulher seja morta no Brasil.

Historicamente, estamos inseridos em uma sociedade patriarcal que ainda preserva e incentiva comportamentos machistas, criando um abismo entre o discurso legislativo de proteção às mulheres e a realidade da prática institucionalizada da misoginia, que permeia desde as relações laborais até o próprio convívio familiar.

É inegável que as relações sociais modernas ainda conservam uma posição de hierarquia entre homens e mulheres, no qual as mulheres são subjugadas e ocupam uma posição de inferioridade.

O fortalecimento do movimento feminista vem contribuindo para alterar essa realidade. O discurso do empoderamento e da emancipação feminina combate justamente essas relações desproporcionais de poder que envolvem as relações entre gênero.

Apesar dos grandes avanços sociais das mulheres, a necessidade de sua proteção persiste.

Com base nessa mobilização da sociedade, foi aprovada a Lei n° 13.104/15 que alterou o art. 121 do Código Penal, adicionando a figura do feminicídio como uma nova modalidade de qualificadora no crime de homicídio.

O feminicídio se configura quando o homicídio for praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. A medida majora a pena do crime quando ele envolver violência doméstica e familiar, ou ainda menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Além da qualificadora, o texto legal traz ainda o feminicídio como uma causa de aumento de pena, que majora a pena de 1/3 até a metade, quando este for praticado durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; contra a pessoa menor de 14 (quatorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; ou ainda na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

Em termos legais, a Lei do feminicídio não traz nenhuma inovação legislativa, já que os casos de violência contra a mulher já estavam sendo enquadrados nas qualificadoras existentes no crime de homicídio, caracterizando-se, por este motivo, em crime hediondo.

Entretanto, é inegável observar que a criminalização do feminicídio tem um importante caráter simbólico e traz luz a situação de violência contra a mulher e a emergência de se combater esse tipo de violência tão enraizado na sociedade moderna, tanto do Brasil quanto do mundo.

Se por um lado, a nomeação desse fenômeno tem um caráter informativo e educativo, é importante refletirmos acerca das implicações de nos voltarmos ao direito penal e ao endurecimento das punições como medida para suprir a falta de atuação do Estado na elaboração de políticas públicas efetivas no combate da violência contra a mulher.

Em que pese o importante caráter simbólico da medida, estamos vivenciando um expansionismo do direito penal, no qual a sociedade se vale do recrudescimento das punições como medida de alcançaruma diminuição da delinquência, como se essa fosse a única alternativa de ação do Estado capaz de conter os altos e crescentes índices de criminalidade.

A recente proposta de diminuição da maioridade penal e a aprovação da qualificadora que aumenta a pena do crime praticado contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição, incluída pela Lei n° 13.142, de 2015, são dois exemplos desse expansionismo.

A falência do Estado é evidenciada na ausência do acesso aos serviços de assistência e da estruturação da rede de apoio às mulheres na grande maioria dos municípios brasileiros, tornando o cumprimento das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha inacessíveis e ineficientes.

Assim, observamos a proliferação dos tipos penais como resposta imediata dos legisladores ao clamor da sociedade em endurecer o combate à criminalidade, no qual se busca uma proteção mais ampla dos bens jurídicos e uma rigidez na aplicação das penas e no tempo de encarceramento.

Sobre essa ótica, o direito penal perde o seu caráter de fragmentariedade e subsidiariedade que lhe é característico, servindo como instrumento de proselitismo político, apresentado na sociedade midiática como o grande salvador da crise institucionalizada de valores morais, éticos, de respeito ao próximo e principalmente no respeito à dignidade da pessoa humana e no respeito à vida.

A falta de uma visão sistêmica e integrada do ordenamento jurídico combinada com a sede de justiça que emana na população são o cenário perfeito para a elaboração dessa política criminal de emergência com foco nas consequências e que ignora as causas da criminalidade.

Dessa forma, o aumento do rigor punitivo passa a ser o principal foco do direito penal, que deixa de buscar o elemento ressocializador da pena e passa a objetivar a punição com base na vingança.

Com isso, a criminalização do feminicídio pode ser interpretada como mais uma resposta de ampliação da tutela penal frente à falência da elaboração de políticas públicas de enfrentamento da violência, servindo como atalho na elaboração de medidas de fato protetivas às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.

Assim, resta à sociedade e a comunidade jurídica sobrepesar sea criminalização do feminicídio é positiva, já que traz visibilidade sobre a caótica situação que envolve a violência contra a mulher, servindo como elemento de conscientização a respeito da mortalidade feminina ou se a criação dessa nova figura acaba por perpetuar esse movimento de expansionismo penal servindo como medida paliativa de uma sociedade que não investe em políticas públicas voltadas para a educação e emancipação social, pautando a criação de sua política criminal em situações emergenciais que ignoram a criação de mecanismos de prevenção e repressão prévios da violência de gênero.
 

Referências:

[1] Bianchini, Alice; Gomes, Luiz Fávio. Uma mulher é morta a cada duas horas no Brasil. Disponível em <http://institutoavantebrasil.com.br/uma-mulher-e-morta-a-cada-hora-no-brasil/>. Acessado em 14 de jul de 2015.
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Dra. Vanessa Armeni de Paula Machado - Advogada -  OAB/PR Nº 73.064 - Membro do Núcleo OAB Jovem de Londrina

terça-feira, 14 de julho de 2015

ARTIGOS DOS MEBROS DO NÚCLEO: "Os Danos Morais e a sua justa aplicação"

Atualmente, percebe-se o grande contingente de pedidos de indenização por danos morais. Ou seja, por aqueles danos imateriais sofridos.

O Código Civil Brasileiro garante em seu artigo 186 que aquele que causar dano a outrem “ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, adquirindo, portanto, o dever de repará-lo.

Porém, a problemática é conseguir se distinguir o que seria efetivamente o dano moral, e o considerado “mero aborrecimento” da vida cotidiana em sociedade.

É neste sentido que percebe-se o crescimento não apenas dos pedidos relacionados aos danos morais, mas também o seu conceito e abrangência.

Vale dizer, os danos morais, sob uma concepção objetiva, seria toda mácula aos direitos da personalidade. Porém, enquadrar e medir sua extensão sob a concepção subjetiva, quais sejam, o dano emocional, o aspecto psicológico, o sofrimento, é que torna-se um grande debate quando se trata desse tipo de indenização.

Outro aspecto que indubitavelmente contribuiu para o aumento dos referidos pedidos, foi o aumento das relações de consumo que, consequentemente, desenvolveu uma maior demanda de problemas enfrentados pelos consumidores, como a falta de qualidade da prestação de serviços, ou problemas em seus produtos etc.

Veja-se que nessas situações, não há como se adequar o problema exatamente como uma dor inestimável aos sentimentos, mas ao mesmo tempo não se pode afirmar que o consumidor não sofreu um dano imaterial.

Neste sentido Conselho da Justiça Federal, em seu Enunciado 445, da V Jornada de Direito Civil esclareceu que “o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento”.

Ou seja, passou a considerar uma amplitude dos danos morais. É neste sentido que menciona-se a maior abrangência dos danos morais de forma doutrinária e jurisprudencial, como o dano estético, dano social, a perda de uma chance e o dano moral pela perda do tempo útil.

A dificuldade prática diante de todo esse debate, portanto, é conseguir estabelecer um equilibro nas decisões, de modo a não permitir que os pedidos de indenização por danos morais tornem-se meios de enriquecimento ilícito. Em contrapartida, sem deixar que a não configuração dos danos morais deixem de reprimir as práticas abusivas, “autorizando” que os prestadores de serviços continuem com tais práticas.

Desta forma, compreende-se que, em que pese em primeira análise a vertente dos danos morais pareça ser de simples e fácil resolução, sua justa aplicação requer uma análise minuciosa de cada caso de forma particular, de modo a se verificar seus efeitos para ambas as partes, sem prejuízos ou vantagens injustas.
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 Dra. Graziella Yumi - Advogada- OAB/PR - Membro do Núcleo OAB Jovem de Londrina

terça-feira, 7 de julho de 2015

ARTIGOS DOS MEMBROS DO NÚCLEO: "O superendividamento do consumidor bancário"

Não se pode negar que o crédito é indispensável na sociedade de consumo, pois possibilita a inserção das classes menos favorecidas no tecido social, tanto que diversos programas foram lançados a fim de facilitar o acesso ao crédito, como o crédito consignado e os programas de crédito habitacional. Clóvis V. do Couto e Silva, por exemplo, considera os contratos de crédito como “absolutamente necessários à vida humana”[1] 

A partir de meados da década de 90, o consumo ficou cada vez mais intenso e o crédito passou ser considerado como elementar, a ponto das instituições financeiras aproveitarem desse paradoxo para anunciá-lo incisivamente na mídia, em especial nos intervalos dos programas televisivos.

Infelizmente, muitas vezes essa oferta de crédito se vale da vulnerabilidade do consumidor, em clara violação aos princípios caros à relação de consumo, em especial o da boa-fé objetiva e da informação clara e precisa, ao não apresentar todas as advertências necessárias acerca do crédito ofertado e seus riscos.

Em verdade, o crédito aos consumidores faz parte da realidade das economias mais desenvolvidas e chega a constituir uma forma de gestão do orçamento familiar. O seu consumo, portanto, possui a função de satisfação de necessidades e realização pessoal, além de permitir “a criação de novas identidades culturais e novas oportunidades de participação social”[2] e, quando contratado em um cenário de estabilidade financeira e laboral, contribui para o bem-estar dos indivíduos, pois possibilita o acesso a bens e serviços.

No entanto, o risco de sobrevir um acontecimento na vida de um devedor é uma constante e, quando presente, o superendividamento torna-se praticamente inevitável. De fato, este fenômeno faz parte da realidade de diversos países, inclusive dos mais desenvolvidos. Atualmente, aproximadamente 40% da população brasileira encontra-se endividada[3].

No Brasil, Cláudia Lima Marques[4] conceitua o superendividamento como sendo “a impossibilidade global de o devedor pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, oriundas de delitos e alimentos)”.

Importante destacar, ainda, que a doutrina europeia distingue o superendividamento passivo do superendividamento ativo. No primeiro caso, o consumidor não contribui ativamente para o surgimento da crise de insolvência, muitas vezes decorrente de algum acidente da vida, como o desemprego, redução de salário, morte de parentes, doença de familiares e divórcio.

O superendividamento ativo, por sua vez, é aquele decorrente do consumo excessivo de crédito, isto é, “quando o consumidor abusa do crédito e ‘consome’ demasiadamente acima das possibilidades de seu orçamento, sendo que, mesmo em condições normais, não teria como fazer face às dívidas assumidas”. [5] 

Em pesquisa realizada por Cláudia Lima Marques a fim de formar um perfil do consumidor superendividado brasileiro, constatou-se que 70% dos casos analisados são de superendividamento passivo, sendo que em 74% dos consumidores devem para no máximo três credores, o que, sem sombra de dúvidas, “facilitaria uma renegociação com os credores, se chamados para negociar de boa-fé pelo Estado”. [6] 

Ademais, o superendividamento afeta profundamente a autoestima e a confiança do indivíduo em sua capacidade de gerir e controlar sua vida pessoal e familiar, além de agravar a sua condição físico-psíquica e de seus familiares e contribuir para o isolamento, ou até mesmo, exclusão social desse consumidor.[7] 

Soma-se a isso o fato de a explosão do endividamento, caso não seja controlada, influenciar as taxas de juros, os spreads e os riscos bancários[8], causando um comprometimento sistêmico da economia e, consequentemente, do desenvolvimento do país.

Assim, uma forma de, se não evitar, mas ao menos de reduzir a ocorrência do superendividamento dos consumidores, é a observância por parte daqueles que ofertam o crédito dos deveres anexos à boa-fé, como o dever de veracidade e lealdade, isto é, deve o fornecedor do crédito informar ao consumidor de maneira completa, adequada, precisa e por escrito, todas as características e detalhes do crédito contratado.

Desta forma, em que pese o direito brasileiro ainda carecer de legislação específica para tratar o problema do superendividamento, diversas medidas podem ser adotadas a fim de preveni-lo, sendo que muitas delas já se encontram previstas no Código de Defesa do Consumidor, como o dever de transparência, previsto no caput do art. 4º, a ativa proteção do consumidor com base na boa-fé de condutas (art. 4ª, inc. III e art. 51, inc. IV e §1º) e a interpretação dos contratos conforme a confiança despertada (arts. 30, 34, 35, 47 e 48).

Ademais, não se pode olvidar que os credores, em especial as instituições financeiras, devem cooperar e renegociar os contratos, a fim de atender ao princípio da boa-fé objetiva.

A esse respeito, interessante é a solução adotada pela legislação francesa[9], que concede ao consumidor-devedor de boa-fé a possibilidade de elaboração de um plano para a sua recuperação extrajudicial, do qual participarão não apenas os credores e o devedor, mas também uma comissão formada por representantes do Estado no departamento francês, tesoureiro geral, representante local da Banque de France, representante indicado pela associação dos estabelecimentos de crédito, representante de associações familiares e de consumidores, jurista e um consultor econômico, social e familiar, além de ser supervisionado pelo magistrado.

No Brasil, porém, ainda se encontra em trâmite no Sanado Federal o Projeto de Lei n. 283/2012 [10], que busca aperfeiçoar a disciplina do crédito e prevenir o superendividamento, além de promover o acesso ao crédito responsável e à educação financeira e, assim, evitar a exclusão social e o comprometimento do mínimo existencial do consumidor.

Deste modo, verifica-se que o superendividamento é um fenômeno social e jurídico que necessita de premente solução, seja por meio de parcelamentos, dilação de prazos, redução de taxas e juros, seja através do controle da publicidade eda possibilidade de exercício do direito de arrependimento, a fim de evitar a exclusão social do consumidor superendividado.

Enfim, tratar o superendividamento, além de ser fundamental na luta contra as exclusões sociais, é garantir ao consumidor o mínimo necessário à sua sobrevivência e, desta forma, atender ao princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido na Constituição Federal nos arts. 1º, inc. III; 3º, inc. I e art. 170, inc. V, bem como nos arts. 1º e 4º, inc. III do Código de Defesa do Consumidor.


Referências:
[1] SILVA apud CASADO, Márcio Mello. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. In: BENJAMIN, Antonio Herman (diretor). Biblioteca de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, v.15, p.92.
[2] CROSS apud FRADE, Catarina; MAGALHÃES, Sandra. Sobreendividamento, a outra face do crédito. In: MARQUES, Cláudia Lima. CAVALLAZZI; Rosângela Lunardelli (Coord), p. 24.
[3]CONSTANTINO, Rodrigo. Mais de 50 milhões de brasileiros devem e não conseguem pagar, e governo quer estimular mais crédito ainda! Veja. Disponível em: Acesso em: 21 ago.2014.
[4] MARQUES, Cláudia Lima. Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos de crédito ao consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul. In: MARQUES, Cláudia Lima. CAVALLAZZI; Rosângela Lunardelli (Coord). Direitos do Consumidor Endividado: Superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 256.
[5]MARQUES, 2006, op. cit., p. 258.
[6]Ibid. p. 302.
[7]FRADE; MAGALHÃES, op. cit., p. 42,
[8]ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.576.
[10] Brasil. Projeto de Lei do Senado n. 283 de 2012. Altera a Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção do superendividamento. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=112479&tp=1>. Acesso em: 06 jul.2015.
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 Dra. Marília Barros Breda – Advogada - OAB/PR nº. 57.936 - Membro do Núcleo OAB Jovem de Londrina